07/08/2020 17h15
atualizado em: 07/08/2020 17h17
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A historiadora Sônia Nanci Paes participou, na tarde desta sexta-feira, 7, do Ciclo de Palestras e Debates “A Força do Legislativo”, organizado pela Câmara Municipal, através da Escola do Legislativo, em comemoração aos 366 anos de Sorocaba. Em entrevista transmitida ao vivo e simultaneamente pela Rádio e TV Câmara, ela falou sobre a participação da casa de Leis na vida da população e o desenvolvimento cultural da cidade.

Segundo a historiadora, na origem de Sorocaba a Câmara teve papel fundamental na administração do município.“Os vereadores eram eleitos entre os que trabalhavam pela cidade, comerciantes, professores, e entre eles escolhiam quem seria o prefeito na época”, contou. Sônia explicou que a forma de governo funcionava e a população buscava a Câmara sempre que necessitava de alguma solução para um problema local.

“Essa cultura da população procurar o vereador para todos os problemas até hoje está enraizada na população. Ficou no DNA, o povo acha que é na Câmara que vai achar todas as soluções”, destacou a historiada, lembrando que a separação dos poderes aconteceu apenas entre as décadas de 1950 e 1960, com a eleição do primeiro prefeito. De acordo com ela, as pessoas ainda se sentem mais a vontade com os vereadores pois estão mais próximos. “Muitas vezes moram no mesmo bairro, encontra na rua”, disse.

Sônia contou que antigamente a Câmara era muito forte, por ter mais poder de decisão, e teve participação decisiva na organização da tradicional Feira de Muares. Como exemplo da importância, disse que certa vez Matheus Maylasky, o grande plantador de algodão e pai da Estrada de Ferro Sorocabana, procurou a Câmara para reclamar e pedir que fosse alterada a rota das tropas que traziam animais e passavam em frente a sua residência. 

Tropeirismo - Por falar em tropas, a historiadora lembrou que Baltasar Fernandes não era tropeiro e sim bandeirante, profissão de quem caçava índios para a mão de obra da época. Quando os jesuítas proibiram a escravização de índios, os portugueses passaram a trazer escravos das colônias africanas para trabalharem nas minas de ouro e mineiro. Porém, o valor para manter os escravos se tornou alto e nesse momento entraram em cena os tropeiros, responsáveis por buscarem burros e mulas na região sul do país.

“As mulas forma utilizadas para transporte de minério de prata nas minas de Potosi, na Bolívia, e depois soltas pois não eram mais uteis. Elas então foram descendo em busca de alimento até chegar aos pampas”, contou Sônia, destacando que o sorocabano, muitos ex-bandeirantes, que conheciam os caminhos até o sul, foram buscar os animais para serem utilizados, principalmente em Minas Gerais. 

A parada em Sorocaba era estratégica, por conta da geografia, clima e alimentação para os animais em pastos atrás do morro de Ipanema. Segundo a historiadora, era ali que as tropa, cada uma com 200 animais e cinco tropeiros, se juntavam antes da feira. Outro fator decisivo para a realização da feira na cidade foi a criação dos registros de impostos sobre os animais, sendo o mais importante o que ficava na ponte do Rio Sorocaba. “Era um pedágio, quem pagava era o financiador dos tropeiros, que nem sempre fazia a viagem”, disse Sônia.

A historiadora defendeu que o tropeiro era um operário, classe trabalhadora que marca a história de Sorocaba e faz parte da cultura. Ela também lembrou que a feira de muares fazia da cidade o lugar mais importante do mundo na época, justificando a afirmação citando que grupos europeus de ópera quando vinham ao Brasil, primeiro se apresentavam na feira antes de ir ao Rio de Janeiro. “Nos meses de abril e maio (período da realização da feira) era aqui que estava o dinheiro”, afirmou sobre o evento que teve a primeira edição em 1750 e a última em 1897.

Sônia contou também o período em que existiu a feira também foi o de grande transformação da cidade, com a chegada da linha férrea e a instalação da indústria têxtil. “E tudo contou com a participação da Câmara”, ressaltou. Segundo a historiadora, a feira de muares era como um grande shopping a céu aberto e um documento cita que uma edição chegou a contar com 200 mil animais. “Tinha apresentações de ópera, circo, venda de material de couro, tecidos e joias” disse.

Tradição cultural – A troca de cultura, por conta da realização das feiras, influenciou a tradição sorocabana, principalmente por conta da relação com pessoas da região sul, argentinos e uruguaios, afirmou a historiadora. “Foi uma troca muito forte”, disse Sônia, destacando o sotaque sorocabano como parte do processo de mescla cultural e que hoje é orgulho para o povo gaúcho. “O Estado do Rio Grande do Sul foi formado por muitos sorocabanos. A cidade de Passo Fundo foi fundado por um tropeiro sorocabano e na entrada da cidade tem um portal que lembra a história”, contou.

Sônia reclamou que falta para os sorocabanos o mesmo orgulho das origens e ressaltou a necessidade de lutar contra o preconceito de ser “caipira” e da apropriação das tradições, como a culinária. Ao final da entrevista, a historiadora destacou a Estrada de Ferro Sorocaba, que chegou a ser uma das maiores da América Latina, como exemplo para os sorocabanos. “Sorocaba distribui burro e mula pelo Brasil todo, uniu estados”, lembrou. 

Ela também ressaltou a importância das industrias têxteis e a participação das mulheres em todo o processo histórico do município. Sônia lamentou o atual período que a sociedade atravessa por conta da pandemia, comparando com a epidemia de febra amarela que afetou a cidade no início do século passado, e pediu para que todos cuidem da saúde. “Melhor pecar pelo excesso que pela falta de cuidados”, disse.