24/02/2021 12h21
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Realizada presencial e virtualmente, a audiência foi uma iniciativa da vereadora Fernanda Garcia (PSOL) para debater o tema da Escola Cívico-Militar

Com o objetivo de discutir a implantação da Escola Cívico-Militar em Sorocaba e defender uma escola pública democrática como formadora de cidadãos críticos, a Câmara Municipal de Sorocaba, por iniciativa da vereadora Fernanda Garcia (PSOL), realizou audiência pública na noite de terça-feira, 23, com ampla participação do público através dos meios virtuais disponibilizados pela Casa. Já na noite de sua realização, a audiência suscitou cerca de 1.700 comentários apenas no Facebook oficial do Legislativo sorocabano – e esse volume de comentários cresceu nas horas subsequentes ao evento.

A audiência foi presidida pela vereadora Fernanda Garcia, juntamente com a vereadora Iara Bernardi (PT), e a mesa dos trabalhos contou com a presença do vereador Vinicius Aith (PRTB), membro da Comissão de Educação e Pessoa Idosa da Câmara Municipal, integrada também pelo vereador Salatiel Hergesel (PDT) e presidida pelo vereador Dylan Dantas (PSC), que foi representado por sua assessoria. A mesa física da audiência também foi composta por Julia Gomes, formada em Gestão de Responsabilidade Social e mãe de aluna da Escola Municipal Matheus Maylasky.

Virtualmente, integraram a mesa dos trabalhos, como debatedores na audiência, uma professora em Brasília e um professor em Manaus. Catarina de Almeida Santos, que falou de Brasília, é doutora em educação pela USP, pós-doutora pela Unicamp e professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, além de dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Já o professor Jonas Araújo Pereira Júnior, que falou de Manaus, é professor da rede municipal de ensino da capital amazonense e integrante de diversos movimentos educacionais. Também participou virtualmente a professora Fabiana Boschetti Nunes, mestra em Educação e pesquisadora pela Universidade Federal de São Carlos (Campus Sorocaba), além de diretora na rede municipal de Sorocaba, tendo dirigido a Escola Matheus Maylasky.

Debate democrático – Fernanda Garcia afirmou que a audiência pública foi construída em conjunto com a Frente Popular em Defesa da Escola Pública Democrática em Sorocaba, que, segundo ela, tem uma preocupação com a implantação da Escola Cívico-Militar, com base em experiências de outras cidades. Por sua vez, a vereadora Iara Bernardi, que co-presidiu os trabalhos, destacou a importância do debate democrático sobre as políticas públicas e criticou o modo como se pretende implantar a Escola Cívico-Militar em Sorocaba.

“A Escola Cívico-Militar pode ser uma opção para a cidade, desde que as regras fossem seguidas, como uma opção dos pais. Mas o processo começou errado, com a proposta de implantação dessa escola justamente na Escola Matheus Maylasky, que tem história, tradição, faz parte do patrimônio histórico de Sorocaba e conta com bons indicadores de ensino. Que o Ministério da Educação construa uma Escola Cívico-Militar na cidade. É uma opção. O que não pode é querer impô-la na Escola Maylasky”, afirmou Iara Bernardi, acrescentando que o Ministério Público ingressou com ação para impedir esse processo.

O vereador Vinicius Aith (PRTB) fez a defesa da proposta do Governo Federal, citando como exemplo o estudante João Vitor Arruda, que estuda numa Escola Cívico-Militar e foi aprovado na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, disputando 747 vagas com 10 mil inscritos. “Foi a seleção mais concorrida da história de Harvard. Isso mostra que a Escola Cívico-Militar é de qualidade sim. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica da Escola Cívico-Militar é 6,5, enquanto o das escolas estaduais é 4,1”, afirmou, destacando que a Prefeitura fez uma consulta pública sobre o assunto e a implantação da Escola Cívico-Militar na Escola Matheus Maylasky teve aprovação de 85%. “Democrática essa escolha foi”, sustentou, explicando, ainda, as diretrizes do programa e enfatizando que os militares não ocuparão cargos dos profissionais de educação.

“Militarização da escola” – Ao estabelecer a diferença entre “escolas militares” e “escolas militarizadas”, a professora Catarina de Almeida Santos afirmou que “a militarização das escolas públicas no Brasil é algo que vem desde o final da década de 90”. Explicou que, no primeiro caso, são escolas das próprias corporações militares, com vagas reservadas para filhos de militares e as demais preenchidas por concurso público e cobrança de taxa. “É uma escola que já nasce militar, que escolhe o seu público e é escolhida por ele. Já a Escola Cívico-Militar é uma forma de militarização das escolas públicas, com o repasse dessas escolas para a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros”, afirmou, enfatizando que, mesmo quando a gestão militar é apenas do ponto de vista da disciplina, isso também tem impacto na gestão pedagógica.

Para a professora da UnB, o presidente Jair Bolsonaro, em sua campanha, prometeu construir uma escola militar em cada capital, com professores militares e a um custo maior por aluno, mas o que o presidente está implementando, depois de eleito, segundo Catarina de Almeida, “é algo muito mais barato, que é militarizar as escolas públicas existentes”. No seu entender, a Escola Cívico-Militar leva para a escola as regras do quartel e, ao fazê-lo, limita a participação democrática dos diferentes grupos sociais que compõem o universo escolar. A professora citou como exemplo uma escola de um bairro vulnerável de Goiânia, o Bairro Madre Germana, que, depois de ser militarizada, teve uma queda de 25% no número de alunos oriundos do próprio bairro. “Os alunos pobres, que têm mais dificuldades, são transferidos dessas escolas militarizadas. Foi o que aconteceu em Goiás, que começou a militarizar escolas em 1999”, afirma, enfatizando que os bons resultados não têm a ver com a militarização em si, mas com a seleção do público da escola.

Escola para todos – A diretora Fabiana Boschetti Nunes disse “acreditar numa escola pública de qualidade feita por educadores, com base no “diálogo permeado pelo conflito de ideias e não pelo confronto das mesmas”, referendando-se nas ideias do pedagogo Paulo Freire (1921-1997). Citando como princípios da escola pública a pluralidade de ideias, a gratuidade do ensino e a liberdade de aprender, ensinar e pesquisar, enfatizou que essa escola é para todos, não para alguns e questionou se a lei foi cumprida ao tratar da adesão das escolas ao projeto de Escola Cívico-Militar. “Os conselhos escolares, das cinco escolas municipais, posicionaram-se contrários à adesão, assim como o Conselho Municipal de Educação”, enfatizou.

Outro fator levantando por Fabiana Boschetti foi o fato de Sorocaba, com quase 700 mil habitantes, contar com apenas com cinco escolas municipais que oferecem os anos finais do Ensino Fundamental. “Iperó, com 38 mil habitantes, tem sete escolas desse segmento, enquanto São Roque, com 92 mil habitantes tem 16 escolas desse nível de ensino”, contabiliza. “Temos que somar escolas públicas, não reduzi-las. Por que não construir uma escola e não subtrair uma?” – indagou. No seu entender, a Escola Matheus Maylasky não se encaixa nos próprios critérios do programa da Escola Cívico-Militar, uma vez que não apresenta índices de vulnerabilidade social e conta com notas no Ideb acima da média.

Caso de Manaus – O professor Jonas Araújo Pereira Júnior, que também participou da audiência virtualmente, falou, entre outras questões, de sua experiência como professor de uma escola militarizada de Manaus, que foi implantada com o objetivo de combater a violência existente nas escolas. “Essa militarização das escolas resultou no que chamamos de limpeza étnico-social. O método adotado nessas escolas não era inclusivo. Por isso, a grande maioria dos estudantes das escolas militarizadas de Manaus não são dos bairros periféricos em que elas se encontram. São alunos que chegam em vans climatizadas”, contou, criticando o governo federal, por, segundo ele, engavetar o Plano Nacional de Educação para investir no processo de militarização das escolas. “Vejo nisso uma quebra do contrato social”, disse, observando que acabou sendo desligado da escola militar por ter criticado, nas redes sociais, o fato de haver policiais armados dentro do ambiente escolar.

Julia Gomes, por sua vez, falou de sua experiência como mãe de uma aluna da Escola Matheus Maylasky e de uma criança com deficiência e teceu críticas ao modo como foi feita a pesquisa com a comunidade escolar a respeito da adesão à Escola Cívico-Militar. “Nem o município consegue nos dizer como vai ser esse processo. Se vai ser do 6º ao 9º ano, como vão separar isso dentro da escola, que vai do 1º ao 9º ano?”, indagou, questionando se os oficiais da reserva que irão atuar na escola irão ganhar mais do que os professores. “E uma criança com deficiência, com déficit de aprendizado? Vai ter que sair da escola, uma vez que quem não se adéqua será convidado a sair?”, questiona.

Debate em plenário – Após a participação dos componentes da mesa presencial e virtual, a audiência pública abriu espaço para um amplo debate entre os participantes, fisicamente e à distância, inclusive com depoimentos gravados de pessoas que não puderam comparecer e encaminharam em vídeo suas opiniões sobre o tema, como Ana Barros, presidente do Conselho Municipal de Educação, o professor Alexandre da Silva Simões (ex-presidente do conselho) e Elisha Silva de Jesus, da Associação Transgêneros de Sorocaba, todos contrários a implantação da Escola Civico-Militar na Escola Matheus Maylasky. Os conselheiros enfatizaram a importância de qualquer política educacional ser implantada como política de Estado, amplamente debatida com a sociedade, “avaliando seu conteúdo e suas nuances”, como apontou Alexandre Simões.

Por sua vez, o professor de história e diretor estadual da União Nacional dos Estudantes Conservadores, Felipe Duarte, disse que muitas pessoas são contra uma escola cívico-militar por questões ideológicas, mas, no seu entender, esse modelo de escola favorece o próprio professor. “Em quantas escolas, o professor é agredido e desrespeitado por alunos? Na Escola-Cívico Militar isso não acontece”, afirmou, dizendo que esse modelo de escola não é repressivo e, sim, democrático. “Uma educação centralizada num único modelo não está funcionando. Vamos abrir a possibilidade para que existam outros modelos, como a Escola Cívico-Militar”, enfatizou.

Durante os debates, o vereador Vinicius Aith apresentou depoimentos de duas mães de alunos da Escola Matheus Maylasky, colhidos nas redes sociais, relatando casos de violência dentro da escola e de “homossexualidade no banheiro dos meninos, uso de narguilé pelos alunos e meninas dançando funk sobre a mesa dos professores, tudo sendo jogado para debaixo do tapete”. O vereador disse ter levantado, também, 43 ocorrências policiais, só em 2021, no entorno da Escola Matheus Maylasky, desde ameaças de bomba até furto de veículos. Com base nisso, Aith sustenta que a referida escola se enquadra nos critérios do programa, citando, ainda, a decisão judicial que manteve o processo de adesão da escola.

Ao final da audiência, também foram respondidos questionamentos dos participantes. O evento foi transmitido ao vido pela TV Câmara (Canal 31.3, aberto; Canal 4 da NET; e Canal 9 da Vivo Fibra) e poderá ser visto, na íntegra, nas redes sociais da Casa.