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Por iniciativa do vereador Péricles Régis (MDB), a TV Câmara iniciou rodada de entrevistas e debates sobre o tema, com a participação de autoridades

Semana de entrevistas e debates sobre trabalho infantil, por iniciativa do vereador Péricles Régis (MDB)O número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil cresceu, entre 2016 e 2020, e chegou a 160 milhões em todo o mundo, segundo dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). No Brasil, antes da pandemia, já havia mais 1,7 milhão de crianças nessa condição. Essa realidade está sendo discutida na “Semana de Combate ao Trabalho Infantil”, que a Câmara Municipal de Sorocaba, através da TV Câmara, iniciou na noite de segunda-feira, 21, por iniciativa do vereador Péricles Régis (MDB), com a participação de autoridades e especialistas no tema, além do público que participou pelas redes sociais com perguntas e questionamentos. O Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil é celebrado anualmente em 12 de junho, mas, como a Câmara Municipal esteve fechada temporiamente devido a um surto de Covid, a realização da semana teve de ser adiada.

Na primeira rodada de entrevistas e debates, além do vereador Péricles Régis, participaram as seguintes autoridades: o desembargador João Batista Martins César, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, gestor nacional de combate ao trabalho infantil; o juiz do trabalho Valdir Rinaldi, coordenador do Juizado Especial da Infância e Adolescência da Justiça do Trabalho; Rodolfo Casagrande, gerente regional do Trabalho em Sorocaba, responsável por 37 municípios, que abrangem uma população de cerca de 2,5 milhões de pessoas; e o procurador do trabalho Juliano Alexandre Ferreira. As políticas públicas para erradicação do trabalho infantil e os efeitos da pandemia de coronavírus na questão do trabalho infantil foram temas abordados pelos participantes do debate.

Para Martins César, a retração econômica é causa do aumento do trabalho infantil e, como a pandemia aumentou o número de desempregados, mais crianças e adolescentes podem acabar ingressando nessa situação. Em face disso, o desembargador defendeu, com urgência, a realização do censo, como forma de mensurar e dimensionar essa realidade e poder adotar políticas públicas para combatê-la. Por sua vez, o juiz do trabalho Valdir Rinaldi disse que “muitas crianças vão ser vítimas do trabalho infantil, pois, com a pandemia, perderam seus pais, seus provedores, o esteio da família”. O juiz relatou sua vivência na magistratura do trabalho: “É muito triste ver uma grande quantidade de pagamentos de verbas rescisórias para os filhos de trabalhadores que perderam sua vida para a Covid. E muitos que sobrevivem à Covid podem ter sequelas graves”. Rodolfo Casagrande, gerente regional do Trabalho, também disse que há muitas pessoas perdendo o emprego na região.

“Mexendo num tabu” – O vereador Péricles Régis (MDB) observou que falar do trabalho infantil é “mexer num tabu”, uma vez que muitas pessoas afirmam que trabalharam quando criança e não se tornaram malfeitores, mas enfatizou que esse tipo de experiência pessoal não é um contraponto válido para o que os estudos, com base em dados, mostram sobre o assunto. “O trabalho de crianças e adolescentes, ilegal e sem acompanhamento, é prejudicial para a vida adulta. Com o trabalho infantil, o ciclo da pobreza não se quebra. A criança que se distancia da escola para trabalhar no semáforo, por exemplo, cresce sem qualificação para o mercado de trabalho e a pobreza se perpetua em sua família. Sem contar que o trabalho infantil expõe as crianças às mais diversas formas de abuso. Por isso, é importante mudar essa cultura de que trabalhar desde cedo é bom para as crianças”, enfatiza o vereador.

Autor de leis e outras iniciativas legislativas voltadas para o mundo do trabalho, inclusive para a prevenção e combate ao trabalho infantil, Péricles Régis observou que a Câmara Municipal tem muitas limitações para tratar do tema, uma vez que as leis que regem o assunto são federais, mas enfatizou que o Legislativo municipal pode fazer com que as boas práticas sejam efetivas na cidade, fiscalizando as ações do Executivo em relação à matéria e promovendo campanhas contra o trabalho infantil. O vereador citou como exemplo a Lei 11.730, de 8 de junho de 2018, de sua autoria, que obriga as empresas que contratam com o município a comprovarem que estão cumprindo a legislação federal que prevê a contratação de pessoas com deficiência e reabilitados bem como aprendizes. “Essa lei virou uma referência de Sorocaba para o Brasil”, destacou o vereador, enfatizando que “lugar de criança é na escola”.

Acidentes com crianças – Para o desembargador João Batista Martins César, dizer que “trabalhar é melhor do que roubar”, não passa de um mito, uma vez que, conforme destaca, mais de 80% dos que estão na Fundação Casa ou no sistema prisional começaram a trabalhar precocemente. “Trabalhar cedo não quer dizer que não vai se envolver com a criminalidade, pelo contrário, o trabalho precoce expõe crianças e adolescentes a ambientes que não são adequados para o seu desenvolvimento”, sustenta. Outro dito popular que considera um mito é a frase “trabalhar não mata ninguém”. Segundo Martins César, nos últimos dez anos, mais de 290 crianças e adolescentes morreram trabalhando, em decorrência dos mais de 40 mil acidentes de trabalho de que foram vítimas, dos quais mais de 20 mil foram graves.

“O trabalho não mata ninguém – o trabalho mata a infância. Ele rouba o potencial de desenvolvimento que a criança possui e, com isso, rouba a sua dignidade”, afirma o juiz Valdir Rinaldi, complementando com a citação de um poema do escritor moçambicano Mia Couto. O juiz enfatizou que as instituições da rede de proteção à infância precisam estar devidamente comprometidas com a erradicação do trabalho infantil, o que, no seu entender, significa dar apoio às famílias dessas crianças para evitar que elas voltem para as ruas, destacando que, só com a aprendizagem, prevista em lei, se pode quebrar esse círculo vicioso do trabalho infantil. O magistrado também explicou como se dá a atuação das varas do Juizado Especial da Infância e Adolescência da Justiça do Trabalho e enfatizou que pensar o futuro é investir nas crianças, no presente, através de políticas públicas de qualidade, que garantam às famílias e as crianças, em especial, condições dignas de vida. “O Estado só existe para dar dignidade à população”, afirma.

O procurador do trabalho Juliano Alexandre Ferreira também disse que acreditar que a criança ao trabalhar precocemente se afasta do mundo da criminalidade é um mito que não se sustenta na realidade. E contou que já houve casos de crianças com dedos decepados no trabalho, atropeladas ao vender objetos no semáforo e vítimas de abuso sexual, por estarem mais expostas. Ferreira lembrou que as crianças, antes dos 14 anos, não podem trabalhar e, a partir dessa idade, podem trabalhar como aprendizes, com a devida supervisão e uma carga horária adequada à continuidade de seus estudos. “A aprendizagem é muito importante para que o adolescente que quer trabalhar e tem necessidade de trabalhar possa ter um trabalho protegido, que concilie a parte prática e a parte teórica, além de continuar estudando”, explica, enfatizando que o trabalho infantil é “multifatorial” e precisa ser enfrentado de diferentes maneiras.

Inovação legislativa – Rodolfo Casagrande, gerente regional do Trabalho, disse que o trabalho infantil não se vincula a um só segmento do mercado de trabalho, mas a diversas atividades econômicas, e observou que, ao retirar uma criança ou adolescente desse universo do trabalho infantil, é fundamental oferecer-lhe a oportunidade de aprendizagem e estudo para que ele não volte para o trabalho ilegal. Segundo ele, o trabalho infantil não ocorre só nos semáforos, mas também em pequenas indústrias e na zona rural, e conclamou a população a uma mudança cultural, que propicie a criança e ao adolescente ingressar no mundo do trabalho com dignidade. Casagrande elogiou o vereador Péricles Régis pela autoria da Lei 11.730, que, conforme destacou, promoveu uma inovação no ordenamento jurídico do país: “No nosso ordenamento jurídico, temos o princípio da simetria. Normalmente, a lei federal é replicada pelo Estado e, depois, pelo município. Nesse caso, ocorreu o contrário: Péricles fez a lei no âmbito do município, o Estado copiou e, agora, essa grande inovação foi incorporada à nova Lei de Licitações”.

Rodolfo Casagrande disse que há muitas entidades que fornecem qualificação para os adolescentes, de forma gratuita, e enfatizou que, no caso da aprendizagem, não há custo nenhum para o jovem e, além de proporcionar seu ingresso supervisionado no mundo do trabalho, a partir dos 14 anos, também lhe permite um lazer de qualidade, através de atividades culturais e esportivas, proporcionando ao jovem oportunidades de formação que, de outra forma, ele não teria. Casagrande explicou que as empresas que não podem empregar aprendizes, devido ao ambiente inadequado, podem cumprir essa cota de forma indireta, em que o jovem pode trabalhar, por exemplo, em órgãos públicos, como já aconteceu na Câmara Municipal de Sorocaba. Destacou, ainda, que o aprendiz significa investimento, pois se torna mão de obra qualificada. Por sua vez, o desembargador Martins César defendeu que haja um empenho da Prefeitura no sentido de promover a aprendizagem e destacou que isso precisa ser associado à tecnologia.

Péricles Regis também enfatizou que a contratação de aprendizes não é um gasto, mas investimento para a empresa e observou que possivelmente as empresas não contratam aprendizes como deveriam por uma questão cultural. O vereador destacou que várias instituições oferecem aprendizagem para os jovens, como o CIEE (Centro de Integração Escola-Empresa), Geração Futura, Nurap (Núcleo de Aprendizagem Profissional e Assistência Social), Senac e Guarda Mirim de Sorocaba, entre outras. O vereador disse que, desde o ano passado, através de requerimentos, vem cobrando da Prefeitura de Sorocaba o cumprimento do TAC (Termo de Ajuste de Conduta) sobre a questão, defendendo que erradicação do trabalho infantil seja uma política pública. O procurador Juliano Alexandre Ferreira observou que Sorocaba, desde o Censo de 2010, está entre os 100 maiores municípios com casos de trabalho infantil; disse que a assinatura do TAC foi um avanço, mas, concordando com Péricles Régis, ressalva que é preciso efetivar um programa de erradicação do trabalho infantil, com escola de tempo integral, qualificação das famílias para o trabalho, entre outras ações.