10/09/2021 11h59
atualizado em: 10/09/2021 14h32
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A iniciativa foi da vereadora Iara Bernardi (PT) e a audiência contou com a participação de diversas autoridades de Sorocaba e região

Com o objetivo de discutir o represamento dos serviços de saúde realizados pelo SUS em decorrência da pandemia de coronavírus, a Câmara Municipal de Sorocaba realizou audiência pública na noite de quinta-feira, 9, por iniciativa da vereadora Iara Bernardi (PT). A audiência contou com a participação de várias autoridades da área de saúde não só de Sorocaba, mas de toda a região, como secretários municipais e gestores de hospital. 

Presidida pela própria vereadora, a mesa dos trabalhos teve a presença das seguintes autoridades: a vereadora Fernanda Garcia (PSOL) e os vereadores João Donizeti Silvestre (PSDB), o deputado estadual Raul Marcelo (PSOL); Kely Schettini, da diretoria regional de Saúde, além da promotora Cristiana Palma, que participou virtualmente. Os vereadores Silvano Jr. (Republicanos), Rodrigo do Treviso (PSL) e Fábio Simoa (Republicanos) também participaram.

Outras autoridades também participaram da audiência: os gestores de hospital Flávio Jorge Miguel Júnior (Santa Casa de Sorocaba) e Carlos Drisostes (Santa Lucinda); vice-prefeito de Barra do Chapéu, José Homero dos Santos; os secretários de Saúde de Salto de Pirapora (Darci Rodrigues), Votorantim (Izilda Maria Moraes), Barra do Chapéu (Nilclea Gomes de Lima), Mairinque (Margareth Andreolli), Guapiara (Jordana Rodrigues), Capão Bonito (Roberto Tamura), Itapetininga (Solange Barros), Tapiraí (Pedro Canuto); Eduardo Luís Vieira, presidente do Sindicato dos Médicos; o médico e ex-vereador Antônio Sérgio Ismael; representante do Fórum de Defesa da Vida (Regina Cardoso da Silva); assessor parlamentar da deputada estadual Maria Lúcia Amary (Clóvis da Silva) e Conrado Barbosa (coordenador de regulação da Santa Casa).

Fluxo de atendimento – Para tratar do represamento dos procedimentos realizados pelo SUS, a vereadora Iara Bernardi fez uma exposição sobre o fluxo de atendimento de saúde em Sorocaba e região, começando com o exemplo da oncologia mamária. Mostrou que, entre primeira consulta da mulher numa Unidade Básica de Saúde, quando o indício de câncer de mama é detectado, até sua inserção na Rede Hebe Camargo para realizar o tratamento, pode se passar mais de um ano, chegando até a dois anos. Observou que essa paciente precisa ter, no mínimo cinco anos de acompanhamento, com a realização de vários exames. “Quem entra na Santa Casa pela Rede Hebe Camargo vai ter esse acompanhamento, mas o Conjunto Hospitalar parou de fazer esse atendimento. Os que entrarem no sistema através dele terão esse atendimento?”, indagou.

Iara Bernardi (PT) também mostrou que os problemas de fluxo de atendimento são recorrentes em outras especialidades médicas, como cardiologia, ortopedia, urologia, hemodiálise. Observou que a espera por cirurgia cardiologia de alta complexidade pode significar a morte do paciente ou levar a amputações evitáveis. No caso da hemodiálise, questionou o motivo da terceirização desse serviço, uma vez que, no seu entender, o CHS recebeu investimentos públicos, como a compra de 42 máquinas para o serviço. “Citei alguns setores, mas há outros casos que também podem ser dramáticos para quem está sofrendo, como os casos de pedra na vesícula, para os quais não está se fazendo cirurgia em lugar nenhum, em que pese as pessoas relatarem dores terríveis”, afirmou, questionando a representante da Regional de Saúde sobre o atendimento do Conjunto Hospitalar e do Hospital Adib Jatene.

Promotoria pública – A promotora Cristina Palma fez um balanço das demandas de saúde de Sorocaba e região que chegam ao Ministério Público Estadual, observando que se trata de um levantamento anterior ao início da pandemia e enfatizando que os problemas ainda não foram resolvidos e até se agravaram. Entre os problemas, citou o caso da fila de 387 gestantes de alto risco para atendimento de pré-natal especializado, que motivou uma ação civil pública, devido à perda de alguns bebês de mães diabéticas. Segundo a promotora, foram detectados naquele serviço, em 2020, a carência de 42 ginecologistas, 22 pediatras e 38 clínicos gerais, além de enfermeiros, técnicos e auxiliares, entre outros profissionais de saúde, bem como agentes comunitários. Em que pese o Ministério Público ter conseguido uma liminar da Justiça determinando a realização de concurso para contratação desses profissionais, a promotora diz que ainda não há notícia de ter sido cumprida essa ordem judicial.

Cristina Palma também falou de outras ações civis públicas, uma delas relativa à fila de atendimentos odontológicos, movida em 2018, quando 1.003 pessoas aguardavam atendimento de canal e 801 esperavam cirurgias bucais, além de 2.532 pessoas aguardando prótese dentária. Também nesse caso, a realização de concurso para contratação de profissionais não se concretizou, uma vez que a liminar inicialmente obtida foi suspensa pelo Tribunal de Justiça. Outra ação civil pública diz respeito ao terreno desapropriado para a construção do Hospital Público Municipal, que havia sido doado para a implantação do BRT, mas essa doação foi suspensa pela Justiça e o terreno continua destinado à construção do hospital, com a confirmação da atual administração municipal de que pretende construí-lo. Nessa ação, conforme Cristina Palma, há um estudo mostrando que Sorocaba precisa de 82 leitos de internação obstétricos, 27 leitos pediátricos, 145 leitos clínicos-cirúrgicos, 228 leitos de clínica médica, 18 para UTI neonatal, 32 leitos de UTI pediátrica e cerca de 98 leitos de UTI e CTI. 

“Outra ação civil pública proposta diz respeito às cirurgias gástricas, entre as quais a cirurgia de vesícula se enquadra. Em junho de 2018, quando a ação foi proposta, 2.662 pacientes estavam aguardando cirurgia de vesícula, sendo que o atendimento se limitava a cerca de uma dúzia de pacientes ao mês, o que demandaria 20 anos para zerar essa fila de espera”, contou Cristina Palma, observando que, nesse caso, não foi obtida liminar e que é preciso fazer um novo levantamento. A promotora também discorreu sobre uma ação voltada para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de drogadição e sobre a falta de profissionais especializados na área de fonoaudiologia, psicologia e psicoterapia, observando que, nessas duas últimas áreas, a demanda tende a aumentar.

Gestores de hospitais – O padre Flávio Jorge Miguel Júnior, diretor da Santa Casa, ressaltou que o hospital é referência em oncologia para os municípios da região, realizando diversos procedimentos e não parou no período da pandemia. “Havia uma orientação federal, estadual e municipal para cancelamento das cirurgias, mas desobedeci a todas as esferas, porque senão a população iria morrer. Por não termos cancelado esse atendimento, a Santa Casa realizou, nesse período, mais de 400 cirurgias oncológicas. Nossa missão é ver no doente a presença de Cristo. A Covid não atrapalhou nada. A Santa Casa tinha 55 leitos de UTI para Covid, além da enfermaria, mesmo assim não paramos com o atendimento oncológico”, afirmou padre Flávio. O gestor da Santa Casa também disse que, em várias ocasiões, o hospital ofereceu cirurgias de mastologia para a Rede Hebe Camargo, mas não houve paciente, até que, após essa insistência, o fluxo de pacientes voltou ao normal.

Corroborando a exposição que havia sido feita pela vereadora Iara Bernardi, o padre Flávio Jorge Miguel Júnior criticou o fluxo de atendimento na área de oncologia, que, no seu entender, não deveria começar numa UBS, mas diretamente nos hospitais de referência, como a Santa Casa. “O fluxo está errado. Devemos cortar caminho, deixando a unidade básica atender aquilo que lhe é próprio, especialmente na saúde preventiva. Na oncologia, depois de três meses, nenhum exame tem validade para uma cirurgia. Não adianta o município gastar com exame de imagem se, ao chegar na Santa Casa, esse exame já perdeu a validade e terá de ser feito novamente. É um dinheiro jogado fora”, enfatizou.

O gestor do Hospital Santa Lucinda, Carlos Drisostes, contou que, no ano passado, foi feito um acordo para que o hospital passasse receber diretamente os pacientes de cardiologia, que antes passavam pela Santa Casa ou por outras unidades de saúde da região. Mas cobrou a necessidade de aumentar o teto financeiro para pacientes de cardiologia, observando que esse teto não é para o hospital, mas para a região. “Se não tivermos teto financeiro para realizar o procedimento, mesmo que tenhamos condição de fazê-lo, não podemos fazê-lo, porque não vamos receber”, observou, acrescentando que o teto financeiro da cardiologia é praticamente o mesmo de 20 anos atrás, em que pese a população ter envelhecido e as demandas da área terem aumentado. Também disse que, na UTI neonatal, o Santa Lucinda atende cerca de dez a doze pacientes, acima dos quatro leitos credenciados de que dispõe. “O custo da maternidade, hoje ultrapassa em cerca de 900 mil reais o que o hospital recebe”, conta.

Regional de saúde – A diretora regional de Saúde, Kely Schettini, disse que a redução do atendimento na atenção básica acabou agravando muitas patologias com consequências no atendimento de urgência e emergência, que, segundo ela, é uma discussão que está sendo pactuada com todos os municípios para reorganizar toda a rede. Segundo ela, um dos problemas é o atendimento via Samu, que gera uma demanda de cerca de 400 ocorrências por mês. Questionada pela vereadora Iara Bernardi, a diretora regional explicou que o hospital de Itu, que está sob gestão municipal, será responsável por realizar cirurgias para a região, num primeiro momento, nas especialidades de mastologia e ginecologia, por meio de pactuação com os municípios. Também adiantou que a radioterapia está prestes a funcionar no Conjunto Hospitalar, que passará a oferecer atendimento completo em oncologia.

Segundo Kely Schettini, houve uma melhora na gestão de vagas e, quando a vaga destinada a um município não é utilizada em 40 dias, ela é redistribuída para outros municípios, uma vez que a vaga não é do município, mas do paciente que está na fila. No caso da hemodiálise, disse que a diretriz é no sentido de atender o paciente o mais próximo possível de sua residência. Quanto ao pré-natal de alto risco, afirmou que o Estado aumentou o número de vagas em três vezes, mesmo assim a demanda é grande e a situação está sendo discutida com os municípios. Também falou da importância do combate preventivo à dengue.

Participação dos vereadores – O vereador João Donizeti cobrou uma solução para os problemas que os pacientes com diabetes estão enfrentando, devido à falta de insumos, inclusive insumos cuja falta pode resultar em problemas graves para o paciente. Também indagou sobre a realização de mutirões de cirurgias e quis saber se a Regional de Saúde de Sorocaba foi a que menos recebeu recursos para o atendimento oncológico. 

A vereadora Fernanda Garcia (PSOL), corroborando o que havia sido observado pela vereadora Iara Bernardi (PT), lamentou a falta de representantes dos hospitais CHS e Adib Jatene e de um representante da Secretaria Municipal de Saúde, já que o próprio secretário não pôde comparecer, devido a um problema de saúde alimentar, informado pelo vereador João Donizeti.

O deputado estadual Raul Marcelo questionou a escolha de um hospital de Itu como referência no tratamento do câncer, quando dever-se-ia, no seu entender, investir na Santa Casa de Sorocaba, que é uma referência na área, e disse que irá questionar o secretário estadual de Saúde sobre essa situação. 

Já André Diniz, do Sindsaúde, chamou a atenção para a falta de trabalhadores da saúde, enfatizando que, no caso do Conjunto Hospitalar, por exemplo, quando estava sob a administração direta, já houve casos de cirurgias canceladas por falta de anestesistas. “E o hospital continua com um déficit aproximado de 800 trabalhadores”, contou, falando também da precarização do trabalho na saúde, com base em estudo da Fiocruz.

Por sua vez, a professora Regina Cardoso, que atua na área de saúde coletiva e é representante do Fórum de Luta em Defesa da Vida, observou que o represamento dos serviços de saúde, em que pese ter sido agravado pela pandemia, já vinha ocorrendo antes da pandemia, porque, no seu entender, os setores privados não querem o fortalecimento do SUS e defendeu a atenção básica de saúde.

A audiência pública poderá ser vista, na íntegra nas redes sociais da Casa.