14/09/2021 11h46
atualizado em: 14/09/2021 12h17
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Promovida pelo vereador Dylan Dantas (PSC), a audiência também contou com alunos e famílias adeptas do ensino domiciliar

A audiência pública foi realizada de forma híbrida, presencial e virtualO ensino domiciliar, conhecido internacionalmente como homeschooling, foi debatido em audiência pública da Câmara Municipal de Sorocaba na noite de segunda-feira, 13, com a participação de autoridades estaduais e nacionais, alunos dessa modalidade de ensino e seus familiares, além de especialistas e entidades que tratam do assunto. A audiência foi promovida pelo vereador Dylan Dantas (PSC), presidente da Comissão de Educação e Pessoa Idosa da Casa, e contou com participantes presenciais e virtuais.

Além de Dylan Dantas, que presidiu a audiência, a mesa dos trabalhos, composta de forma híbrida (presencial e virtualmente) foi composta pelas seguintes autoridades: deputada federal Bia Kicis (PSL-DF); desembargador José Ruy Borges Pereira, do Tribunal de Justiça de São Paulo; deputado estadual Douglas Garcia (PTB); Paulo Charbel, da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned); advogado Edson Prieto, representante em Sorocaba da J. Reuben Clark Law Society; e a estudante Elisa Flemer, adepta do ensino domiciliar. Os vereadores Luis Santos (Republicanos) e Ítalo Moreira (PSC) foram representados por assessores parlamentares.

Deputada federal Bia Kicis: de Brasília, defesa do ensino domiciliar na audiência“O ensino domiciliar é um direito humano e beneficia minorias”, afirmou Dylan Dantas na abertura dos trabalhos. O vereador é autor da Lei 12.348, de 18 de agosto de 2021, que instituiu o ensino domiciliar em Sorocaba, mas que teve sua eficácia suspensa em 31 de agosto último, por força de liminar do desembargador Ferreira Rodrigues, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), em ação direta de inconstitucionalidade (Adin), movida pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).

Judicialização da proposta – A deputada federal Bia Kicis lembrou a luta do movimento Escola Sem Partido, iniciada há 15 anos, e que também esteve associada, desde o início, à luta pelo ensino domiciliar. A parlamentar afirmou que é um grande equívoco os tribunais, inclusive o Supremo Tribunal Federal, entenderem que os municípios não podem legislar sobre ensino domiciliar e enfatizou que o direito da família à educação dos filhos é amparado pela Constituição e antecede a própria existência do Estado.

Deputado Douglas Garcia: crítica à judicialização da lei aprovada A deputada também destacou que o ensino domiciliar atende as necessidades de minorias e não prejudica, de nenhuma forma, o sistema de ensino. “Por isso, os adeptos do ensino domiciliar não podem ser tratados como criminosos”, ressalta Bia Kicis, que, juntamente com as deputadas Chris Tonietto (PSL-RJ) e Caroline de Toni (PSL-SC), apresentou projeto de lei para deixar claro, no Código Penal, que o ensino domiciliar não configura abandono intelectual do aluno. A deputada defendeu uma regulamentação do ensino domiciliar que seja a mais simples possível.

O deputado estadual Douglas Garcia disse que a educação brasileira “está um verdadeiro caos, com alunos que saem do ensino médio sem conseguir resolver problemas básicos de matemática” e afirmou que “é preciso oferecer outros métodos de ensino ao aluno, além do método fracassado de Paulo Freire, que tem sido empurrado goela abaixo das crianças”. Defendendo o ensino domiciliar como uma alternativa, Garcia criticou a Apeoesp por ter judicializado a lei aprovada em Sorocaba que permite essa modalidade de ensino. “Democracia é para ser respeitada. Se o projeto foi aprovado, outro poder não tinha que ser chamado a intervir”, destacou.

Desembargador Borges Pereira: relação entre ensino domiciliar e segurançaEmpenho dos pais – O desembargador José Ruy Borges Pereira falou de sua experiência como estudante, um filho de chofer de praça, que estudou em escola pública e teve que se esforçar muito para acompanhar seus colegas de faculdade que vinham de bons colégios privados, tornando-se um dos melhores alunos da classe. Para ele, o ensino domiciliar pode ser uma forma de equilibrar essas diferenças, levando as famílias de menor poder aquisitivo a obter um ensino de qualidade para seus filhos. Também enfatizou que o ensino domiciliar protege a criança da violência e criminalidade que imperam em algumas escolas.

O advogado Alexandre Magno Fernandes Moreira, especialista em direito educacional e direito dos pais e autor do livro O Direito à Educação Domiciliar, observou que os pais que optam pelo ensino domiciliar são justamente os que mais se ocupam da educação dos filhos, cumprindo seu dever previsto na Constituição Federal e no Código Civil. “Por que essa atitude tão espontânea e tão meritória, de famílias bem estruturadas, causa tamanha controvérsia no nosso país? Por que muitos pais que aderem ao ensino domiciliar são vistos como criminosos e, no limite, querem nos colocar na cadeia?”, indagou, enfatizando que o ensino domiciliar é uma experiência de sucesso no mundo, especialmente nos Estados Unidos.

Para Alexandre Magno, estudos mostram que os alunos do ensino domiciliar apresentam resultados melhores do que seus pares do sistema escolar comum. “Temos estatísticas muito precisas sobre o rendimento dos alunos educados em casa. Já comprovamos, fora de qualquer dúvida, que a educação domiciliar é algo benéfico. As crianças educadas em casa conseguem um nível educacional melhor, livrando-se de vários males, como vício em drogas, gravidez na adolescência, comportamentos agressivos, e são bons cidadãos e fazem mais trabalhos voluntários”, enumerou, enfatizando que a educação é um direito humano, protegido por tratados internacionais. Também sustentou que os municípios podem, sim, legislar sobre o ensino domiciliar.

Avaliação desejável – O representante da Associação Nacional de Educação Domiciliar, Paulo Charbel, falou sobre o trabalho desenvolvido pela entidade e disse que o ensino domiciliar é direito que está sendo cerceado. Para ela, as “narrativas contrárias” ao ensino domiciliar, que o acusam de abandono intelectual, não procedem: “Submetam nossas crianças à avaliação. Aliás, achamos isso muito pertinente para que todos tenham um controle e caso alguma família, ainda que seja pouco provável, queira usar o ensino domiciliar com má-fé, isso não seja possível”, observou, destacando ainda que o ensino domiciliar também promove uma ampla socialização da criança, até mais ampla do que a escola. “Mais de 60 países contam com esse ensino. Todos estão errados, só o Brasil está certo?”, questiona.

O representante da J. Reuben Clark Law Society, Edson Prieto, que também integra o gabinete do vereador Dylan Dantas, falou do trabalho desenvolvido pela entidade, alicerçado em três pilares: liberdade religiosa, ética e serviço pro bono na área jurídica. “Não tem como falar da liberdade religiosa se não temos nem a nossa liberdade garantida”, afirmou, acrescentando que, por isso, o ensino domiciliar é tão caro à entidade. Para ele, o ensino domiciliar está no campo do direito humano, do direito privado, e não do direito público, por isso, já é permitido, em si, faltando apenas ser reconhecido.

Experiência de aluna – A estudante do ensino domiciliar Elisa Flemer, que tem 17 anos e passou em seleções de diversas universidades no Brasil e no exterior, além de ser fluente em inglês e estar no nível intermediário do alemão, contou sua experiência de aprendizado em casa, que começou na segunda metade do primeiro ano do ensino médio. Ela disse que sempre foi muito estudiosa e tinha muito interesse na escola, mas que isso começou a mudar no sexto ano do ensino fundamental, aos 12 anos, quando passou a se sentir entediada na sala de aula e ocupava o tempo das aulas lendo ou desenhando. 

“Achei que havia algo de errado comigo, pois, até então, gostar de aprender era uma identidade minha e eu não queria perder isso. Então, comecei a pesquisar sobre pedagogia e descobri que muitos pedagogos criticavam o ensino escolar e defendiam outras formas de ensino. Por conta disso, descobri o homeschooling, passei a pesquisar sobre o assunto e cheguei à conclusão de que esse era o método ideal para mim”, disse. Elisa Flemmer conta que ela própria organizou seus conteúdos programáticos, obtendo sucesso em vários vestibulares. Para ela, o ensino domiciliar proporciona uma autonomia que a escola tradicional não propicia.

A audiência pública também contou com a participação de vários outros adeptos do ensino domiciliar, que relataram problemas enfrentados no ensino tradicional e descreveram sua experiência aprendendo em casa. No final dos trabalhos, Dylan Dantas observou que, além dos participantes no plenário, a audiência pública contou com intensa participação nas redes sociais e considerou a audiência pública um sucesso: “Os que são contrários ao ensino domiciliar não imaginavam que viríamos aqui tão preparados, munidos de muito conteúdo. Tivemos alunos e pais do ensino domiciliar, alunos do ensino tradicional, alunos com algumas deficiências como deficiência visual e autismo, lutando por sua inclusão, além de especialistas e entidades”, enumerou, ressaltando que a luta pelo ensino domiciliar continua e novas estratégias estão sendo traçadas para fazer frente à judicialização da proposta.