23/05/2022 12h00
atualizado em: 23/05/2022 12h05
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A iniciativa foi da vereadora Fernanda Garcia (PSOL) e contou com a participação de representantes de várias entidades

Como parte das atividades do “Dia de Combate à LGBTfobia”, instituído em âmbito municipal pela Lei 11.541/2017, de autoria da vereadora Fernanda Garcia (PSOL), foi realizada na noite de sexta-feira, 20, uma audiência pública que teve como tema “A Sobrevivência da Pessoa Trans na Sociedade Sorocabana”. O evento contou com o apoio do Conselho Municipal dos Direitos LGBT, do Conselho Tutelar, dos Conselhos Municipais de Educação e Saúde, além da vereadora de São Paulo, Érika Hilton.

Fernanda Garcia, que presidiu a audiência, dividiu a mesa dos trabalhos com as seguintes autoridades: secretário municipal de Saúde, Claudio Pompeo Chagas Dias; Tara Wells Correia, presidente da Associação de Transgêneros de Sorocaba e integrante do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher; Vivian Machado, coordenadora das Políticas de Diversidade Sexual da Prefeitura de Sorocaba; e Viviane Rodrigues, representando a Secretaria Estadual de Educação.

Na mesa estendida (presencial e virtual) estiveram presentes: Júlio Prado, Giovana Leme e Pamela Santos, representando o Conselho Tutelar; Gustavo Henrique, presidente do Conselho Municipal da Diversidade Sexual da cidade de São Carlos; Amália Carvalho, médica de Família e Comunidade do Município de São Miguel Arcanjo; Marcos Lopes, do Centro de Cultura e Acolhimento LGBT da cidade de São Paulo; Matheus Aires, da Associação de Transgêneros de Sorocaba; Silene Robes, do Coletivo Elas; Vande Pedroso, presidente da Amaso; Augusta Neves, da Associação Transgênero de Sorocaba; pesquisadora Uma Reis; e Maria Tereza, do Coletivo Rosa Lilás e do Conselho da Comunidade Negra.

Valor da vida – Na abertura dos trabalhos, Fernanda Garcia afirmou que o propósito da audiência pública é “colocar em evidência o valor da vida das pessoas que sofrem com preconceito e que integram o cenário estatístico de risco preocupante”. Segundo dados do Dossiê “Assassinatos e Violência contra Travestis e Transexuais Brasileiros”, apresentados pela vereadora, em 2021, 140 pessoas trans (135 mulheres e cinco homens) foram assassinados no Brasil. “São pessoas que tão somente querem existir, com seus corpos, mentes e corações. Pessoas que apenas buscam as mesmas oportunidades, no mercado de trabalho, na escola”, afirmou, enfatizando que “o poder público tem obrigação de enxergar o movimento LGBT”.

O secretário de Saúde, Cláudio Pompeo, enfatizou que sua pasta está aberta ao diálogo e se conduz pelo respeito a todas as pessoas. “A sociedade passa por mudanças e é importante que a secretaria esteja sempre atenta a essas mudanças para que todo mundo possa ter o acesso à saúde”, afirmou. “O SUS tem 30 anos. Ele já é o maior programa de saúde pública do mundo, mas ainda está engatinhando em algumas áreas. Nossa perspectiva é implantar uma comissão para tratar do atendimento à população trans”, afirmou, enfatizando que seu objetivo ao participar da audiência é aprender. Por sua vez, a coordenadora das Políticas de Diversidade Sexual da Prefeitura de Sorocaba, Vivian Machado, discorreu sobre o trabalho desenvolvido na coordenadoria, como a política de empregabilidade, que, entre outras ações, oferta cursos profissionalizantes para pessoas trans.

Histórias de sobrevivência – A presidente da Associação dos Transgêneros de Sorocaba, Tara Wells, afirmou, a exemplo de outros participantes da audiência pública, que o Brasil “é o país que mais mata pessoas trans no mundo”, estando nessa posição pelo 13º ano consecutivo. “Como uma das poucas mulheres trans sobreviventes da década de 90, já sofri muito preconceito em Sorocaba, assim como muitas amigas que já não estão mais vivas para contar a história”, disse, acrescentando que Sorocaba ainda peca pela falta de oportunidade para as pessoas trans. Tara Wells descreveu vários episódios de preconceito contra as pessoas trans, observando que mais de 90% do segmento está na prostituição como forma de sobrevivência, condenando, ainda, a hipocrisia da sociedade. Também discorreu sobre as dificuldades enfrentadas pelo segmento durante a pandemia.

Augusta Neves, da Associação de Transgêneros de Sorocaba, discorreu sobre aspectos históricos da sexualidade humana. “Não faltam registros históricos da existência de pessoas trans em praticamente todas as sociedades e civilizações que existiram antes da sociedade contemporânea ocidental. No Japão, tivemos serviçais imperiais que eram pessoas trans. Na China antiga também. Na Coreia, serviçais das famílias reais eram pessoas trans. Na Índia, nós temos as ‘hijra’, que persistem até hoje”, enumerou, citando também casos de pessoas trans entre povos da África e indígenas da América. “Na história da humanidade, não é possível dizer que a existência das pessoas trans é algo novo; na verdade, a existência das pessoas trans é algo que caminha junto com a própria humanidade”, enfatizou.

Direitos sociais – Defendendo os direitos sociais das pessoas trans, o advogado Mateus Aires apresentou uma série de estatísticas sobre as condições de vida dessas pessoas: “Precisamos analisar que 60% da comunidade transgénero sofre de depressão e 42% já tentou suicídio, quase dez vezes mais que a população em geral. Além disso, 88% acredita que as empresas não estão prontas para contratar pessoas trans e 20% das pessoas trans não têm emprego formal, um índice 40% maior do que o da população em geral. Além disso, 55% das pessoas trans têm dificuldade de encontrar o que comer. Sua expectativa de vida é mais baixa e três em cada quatro são expulsos de casa. Ou seja, o Estado, de certa forma, está falhando com as pessoas trans”, afirmou, ressaltando, todavia, que o Judiciário tem garantido direitos das pessoas trans.

Observando que o papel da educação é possibilitar discussões, “ainda que elas sejam conflituosas, dolorosas”, Viviane Rodrigues, da Diretoria de Ensino de Sorocaba, afirmou: “Esse espaço dialógico não é apenas um espaço para aceitação de diversidade, mas de enfrentamento de desigualdades. É um espaço de quebra de silêncio, porque o silêncio dói”, enfatizou, destacando que a educação deve ser um espaço de garantia da dignidade humana, defendendo que esse espaço dialógico seja ampliado.

Outras cidades – Outros participantes também se pronunciaram no evento. A vereadora Érika Hilton (PSOL), da Câmara Municipal de São Paulo, participou da audiência pública por intermédio de um vídeo gravado e discorreu sobre as lutas das pessoas trans e das políticas públicas implantadas para esse segmento na capital paulista. Já a pesquisadora Uma Reis defendeu o atendimento humanizado no SUS, enfatizando que o respeito à pessoa trans é algo básico e fundamental como reconhecimento da humanidade dessas pessoas. Já o educador social Gustavo Henrique, presidente do Conselho Municipal da Diversidade Sexual de São Carlos, discorreu sobre o trabalho desenvolvido em seu município. 

No final dos trabalhos, a vereadora Fernanda Garcia (PSOL) enfatizou que é necessário que todas as Unidades Básicas de Saúde ofereçam um atendimento humanizado às pessoas trans, como um direito devido que está sendo negado. A vereadora cobrou a efetivação dessas políticas públicas, entre as quais, o “processo transexualizador”, uma vez que, atualmente, Sorocaba não oferece esse atendimento e as pessoas demandam a São Paulo, tendo de dar um endereço da capital. O secretário se comprometeu a discutir esses e outros temas na comissão que está sendo constituída para tratar de demandas das pessoas trans. A audiência pública foi transmitida ao vivo pela TV Câmara (Canal 31.3; Canal 4 da NET; Canal 9 da Vivo Fibra) e está disponível no portal da Câmara e nas redes sociais da Casa.