20/05/2011 15h49
 

O secretário de Saúde, Ademir Watanabe, e a coordenadora de Saúde Mental, Maria Clara Suarez, foram ouvidos pela comissão que investiga maus-tratos e mortes nos manicômios

 

Dando prosseguimento às investigações feitas pela Comissão Especial dos Hospitais Psiquiátricos, presidida pelo vereador Izídio de Brito (PT), que apura denúncias de maus-tratos e mortes nessas instituições, foi realizada na manhã desta sexta-feira, 20, mais uma oitiva com pessoas relacionadas à saúde mental no município. Desta vez foram ouvidos o novo secretário municipal de Saúde, Ademir Watanabe, e a coordenadora de saúde mental de Sorocaba, psiquiatra Maria Clara Schnaidman Suarez. O diretor clínico do Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, Dario Doreto, que também seria ouvido, justificou o não comparecimento, devido a problemas de saúde.

 

O secretário Ademir Watanabe começou respondendo uma série de indagações do vereador Luis Santos (PMN). Segundo o secretário, assim que sua pasta tomou conhecimento da denúncia contra os hospitais psiquiátricos – “denúncia” com aspas, segundo fez questão de frisar –, foi iniciada uma auditoria nos quatro hospitais psiquiátricos de Sorocaba. A auditoria tem o objetivo de apurar as ocorrências de maus-tratos e mortes elencadas em estudo do psicólogo Marcos Garcia, doutor em Psicologia Social e professor da Universidade São Carlos (UFSCar), que motivou a criação da comissão.

 

A auditoria, segundo o secretário, ainda não foi concluída e está sendo realizada em parceria com órgãos estaduais e federais, como a Defensoria Pública e o Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS). “Em relação ao trabalho apresentado pelo Flamas [Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba], não concordamos com a maneira como ele foi conduzido e a forma como os dados foram apresentados”, afirmou o secretário.

 

Dados questionados – A coordenadora de Saúde Mental, Maria Clara Suarez, afirmou ter tomado conhecimento das denúncias em 6 de novembro do ano passado, durante uma reunião de rotina da saúde mental, quando o estudo foi apresentado. “Ficamos de continuar conversando sobre a questão, inclusive convidei seus autores para participarem de um colegiado da saúde mental que se reúne mensalmente, mas eles não quiseram”, disse, acrescentando que não concorda com os dados apresentados pelo Flamas.

 

Segundo Maria Clara Suarez, a Defensoria Pública de Sorocaba, desde sua criação em abril de 2008, recebeu apenas três reclamações sobre hospitais psiquiátricos: duas sobre atendimento médico, mas sem envolver óbito, e uma sobre condições de trabalho dos funcionários. “Jamais houve denúncias como as apresentadas pelo Flamas em qualquer outro órgão”, enfatizou.

 

A coordenadora de Saúde Mental observou, ainda, que o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (Pnash) fez uma avaliação do setor em 2009 e os hospitais psiquiátricos de Sorocaba tiveram boas avaliações, não sendo recomendado o fechamento de nenhum deles. Explicou, também, que a fiscalização do setor só passou para o âmbito do município em setembro de 2010; antes, ficava sob a responsabilidade do Estado.

 

Fiscalização de campo – O vereador José Crespo (DEM) questionou o modelo de fiscalização dos hospitais psiquiátricos. “Estudei a Lei Federal 10.216, que trata dos direitos dos portadores de transtornos mentais, e considero que ela é suficiente para regular o setor. E, dentro do estipulado pela lei, sou favorável à existência dos hospitais psiquiátricos, que são indispensáveis para o tratamento de determinados pacientes. Há quem proponha que eles sejam eliminados, mas sou contra isso”, enfatizou.

 

Mas José Crespo fez questão de ressaltar que “toda organização ou serviço precisam ser fiscalizados” e que é fundamental fazer uma “fiscalização de campo” nos hospitais psiquiátricos. “Espero que a Prefeitura esteja fazendo isso, porque se ficar por conta do Estado ou da União, não haverá fiscalização nenhuma”, enfatizou Crespo.

 

Respondendo a indagação de Crespo, a coordenadora de Saúde Mental explicou que a gestão dos serviços hospitalares não passou inteiramente para o município, principalmente porque a central de vagas, que abrange oito hospitais de três municípios, fica sob a responsabilidade do Estado.

 

O vereador Izídio de Brito também deixou claro que considera “nebulosa” a fiscalização dos hospitais psiquiátricos e quis saber se Maria Clara Suarez tem cotas como sócia de hospital psiquiátrico. Ela confirmou que foi cotista do hospital onde havia trabalhado durante 21 anos, mas disse que deixou de sê-lo depois que se tornou servidora da Prefeitura.

 

Questionamentos do Flamas – Em face disso, o psicólogo Lucio Costa, do Flamas, observou que é papel da Vigilância Sanitária fiscalizar os hospitais e questionou a independência desse trabalho de fiscalização, uma vez que autoridades de saúde na área (como o ex-secretário Milton Palma) também são sócios de hospitais onde funcionários da pasta irão exercer o papel de fiscais. Lúcio Costa, que defende o fechamento dos hospitais psiquiátricos, também pôs em dúvida o comprometimento da Secretaria de Saúde e da Prefeitura com a Lei Federal 10.216, mencionada por José Crespo (DEM).

 

O secretário Ademir Watanabe afirmou o município segue a lei e observou que, em 2004, Sorocaba tinha 190 leitos psiquiátricos e, hoje, tem apenas 94. “Isso demonstra que Sorocaba segue a tendência de redução do numero de leitos. Só que não podemos fechar hospitais e jogar os pacientes na rua. Foi o que ocorreu na década de 80, quando os hospitais começaram a ser fechados, pois muitos pacientes são rejeitados pelas próprias famílias”, enfatizou, corroborado por Maria Clara Suarez, que ressaltou não haver nenhuma previsão do fim dos hospitais psiquiátricos na legislação.

 

A participação dos usuários na gestão e fiscalização da saúde mental no município também foi questionada por pessoas da platéia e também pela terapeuta Soraya Diniz Rosa, doutoranda em educação e professora da Uniso. No seu entender, a Secretaria Municipal de Saúde está criando dificuldades para a participação dos observadores sociais na próxima conferência de saúde, como prevê as diretrizes que norteiam o SUS. A professora também condenou o fato de ser praticamente todo privado o atendimento alternativo às internações hospitalares em saúde mental no município.

 

Em resposta, o secretário Ademir Watanabe lembrou que existe, sim, a participação dos usuários no Conselho Municipal de Saúde e afirmou que é do máximo interesse da Prefeitura que o SUS funcione bem, pois ele atende entre 60 e 70% da população do município.

 

Famílias de pacientes – Uma parente de dois pacientes psiquiátricos pediu a palavra durante a audiência e enumerou as imensas dificuldades que está enfrentando no tratamento de ambos. “Vim pedir ajuda. O resto da minha família não quer saber deles. O que eu faço com eles?”, indagou, afirmando que a família inteira adoece e que é muito difícil ter que trabalhar para sobreviver e comprar os remédios e, ao mesmo tempo, cuidar do doente.

 

O vereador Izídio de Brito observou que, desde o início dos trabalhos da comissão, tem crescido o número de famílias que procuram seu gabinete buscando ajuda, o que, segundo ele, mostra a necessidade de se buscar soluções urgentes para o problema do atendimento psiquiátrico no município e região.

 

Ao final da reunião, os vereadores receberam – em caráter extraoficial – o relatório de inspeção do Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, realizado pelo médico-legista Hugo Ricardo Valim de Castro. Como o relatório não estava completo, ele acabou não sendo lido durante a audiência pública, por sugestão do vereador Luis Santos, que achou melhor esperar o texto oficial. Já o vereador José Crespo, numa leitura preliminar do referido relatório, afirmou que ele não acrescenta fatos novos e provavelmente não será conclusivo.

 

Novas oitivas – Em face disso, ficou decidido que a comissão irá trabalhar no sentido de viabilizar a fiscalização efetiva dos hospitais, inclusive, com o fator surpresa, evitando que eles se preparem para a vistoria. Nesse sentido, o vereador José Crespo solicitou a oitiva dos responsáveis pela fiscalização dos hospitais psiquiátricos no município e os membros da comissão concordaram em convocar a atual responsável pelo setor, Suzana Costa (que assumiu o cargo recentemente), e sua antecessora, Aparecida Costa, esta última por sugestão da coordenadora de Saúde Mental, Maria Clara Suarez.

 

A comissão especial que investiga o atendimento nos hospitais psiquiátricos foi criada por iniciativa do vereador Izídio de Brito (PT), seu presidente, e tem como membros os vereadores José Crespo (DEM), Luis Santos (PMN), Rozendo de Oliveira (PV) e Neusa Maldonado (PSDB). Os dois últimos não puderam comparecer à audiência e se fizeram representar por assessores.

 

As oitivas são realizadas sempre as sextas-feiras, às 9 horas, no plenário da Câmara e transmitidas pela TV Legislativa e pela internet, para possibilitar o acompanhamento dos depoimentos pela população. Ainda deverão depor o ex-secretário de Saúde, Milton Palma, o prefeito Vitor Lippi e os diretores dos hospitais psiquiátricos do município, entre outros.