15/03/2024 10h48
atualizado em: 15/03/2024 10h48
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O evento foi uma iniciativa da vereadora Fernanda Garcia (PSOL) e contou com a participação da vereadora Iara Bernardi (PT) e ativistas da área

Com o objetivo de debater o direito à hormonioterapia previsto no Sistema Único de Saúde (SUS), a Câmara Municipal de Sorocaba realizou na noite de quinta-feira, 14, uma audiência pública com o tema “Transpolítica: O Direito de Ser e Transicionar”. A iniciativa foi da vereadora Fernanda Garcia (PSOL) e o evento contou com a participação de ativistas, que discorreram sobre o tema, além da vereadora Iara Bernardi (PT).

A mesa dos trabalhos, presidida pela vereadora, contou com a co-deputada estadual pelo PSOL, Mariana Souza, e seu assessor Lucas Marques; a travesti e ativista dos direitos humanos Maria Kali, formada em Ciências Sociais e criadora do canal “Lugar de Falar”, além da vereadora Iara Bernardi (PT). A promotora Cristina Palma participou de forma virtual. Na mesa estendida estiveram presentes: Cristina Rosas da Silva, do Conselho Regional de Psicologia, e Luca de Oliveira Spinelli, que atua no futebol trans.

No início da audiência, Fernanda Garcia relembrou Marielle Franco e Anderson Gomes, que foram assassinados brutalmente no dia 14 de março de 2018. “Essa data ficou marcada como data de luta e resistência, que semeou várias sementes, impulsionando a participação de várias mulheres na sociedade, inclusive mulheres negras da periferia”, afirmou a parlamentar.

Idas e vindas – A vereadora Fernanda Garcia falou dos problemas do processo de hormonioterapia no Município de Sorocaba, discorrendo sobre suas idas e vindas, com aberturas e fechamentos do ambulatório que cuida desse atendimento, uma vez que ele teve início numa UBS, na Vila Fiori, passando depois para o Hospital Santa Lucinda e sendo encerrado novamente, até ser transferido para o âmbito estadual, no Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS). “Ou seja, o município está deixando de cumprir seu dever, previsto em portaria do Ministério da Saúde desde 2013”, afirmou a vereadora.

De acordo com informações do Núcleo de Estudos, Pesquisa, Extensão e Assistência à Pessoa Trans da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a hormonização (também conhecida por terapia hormonal ou hormonioterapia) é “uma intervenção de saúde utilizada por muitas pessoas transexuais e travestis como uma estratégia para se expressarem e serem reconhecidas pela sociedade dentro dos limites do gênero com o qual se identificam ou com o qual preferem ser identificadas”.

A vereadora Fernanda Garcia observou que, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, em resposta a requerimento de sua autoria, há 81 pessoas esperando por atendimento de hormonioterapia em Sorocaba. “É um número considerável, principalmente se levarmos em conta a subnotificação, pois muitas pessoas recorrem à automedicação”, afirmou a vereadora.

“Contra opressões” – A co-deputada Mariana Souza, do PSOL, explicou como funciona o mandato coletivo do partido, que conta com cinco mulheres negras, incluindo bissexuais e travestis, pautando-se, segundo ela, “por um feminismo que luta contra as opressões”. A ativista criticou a extrema direita que, segundo ela, tem usado a população trans como um alvo de violências. Em seguida, discorreu sobre as lutas voltadas para garantir no SUS a hormonização e demais procedimentos de afirmação de gênero. 

Lucas Marquez também criticou a “extrema direita miliciana que executou Marielle Franco”, ressaltando as ligações dessa extrema direita com outros movimentos de direita no mundo, a exemplo dos Estados Unidos, Polônia, França e Argentina, entre outros. Segundo ele, a questão trans tem sido eleita como o inimigo público pela extrema-direita em ascensão em todos esses países. “Ela pega os preconceitos mais arraigados da sociedade e utiliza esses preconceitos para gerar um pânico moral e nos demonizar” – alertou.

Maria Kali, da Associação de Transgêneros de Sorocaba (ATS), contou que o movimento protocolou em 17 de fevereiro último uma carta de reivindicações, com o objetivo de garantir para as pessoas trans os mesmos direitos dos demais usuários do SUS. “Sorocaba possui um protocolo de atendimento a pessoas trans desde 2022 e ele deveria acontecer em qualquer UBS, mas isso não ocorre e as pessoas ficam sem retorno médico, sem marcação de consultas, sem receita dos seus medicamentos”, afirmou, observando que as mudanças frequentes de local de atendimento dificultam a vida das pessoas trans. “O atendimento real ao protocolo de saúde precisa acontecer”, reafirmou.

Também foi exibido um vídeo da médica Amália Oliveira de Carvalho, médica da família e responsável técnica da unidade de saúde da cidade paulista de São Miguel Arcanjo que oferece atendimento integral de saúde à população LGBTQIA+, tanto o atendimento de hormonioterapia quanto os demais atendimentos, como cardiologia e odontologia, entre outros. A médica relatou a efetividade desse atendimento e enfatizou: “Isso não é favor, não é mera vontade política, mas política pública. Existe portaria sobre o processo transexualizador no SUS”.

Atuação da promotoria – A promotora Cristina Palma, que atua na área da Infância, Juventude, Saúde Pública e Educação, conta que, por trabalhar com uma vasta gama de direitos sociais, inclusive a saúde pública, foi demandada para tratar da questão da hormonioterapia e disse que o Ministério Público acabou de instalar a Promotoria Regional de Inclusão Social, que também poderá ser de interesse da comunidade trans. 

A promotora disse que seu primeiro questionamento à administração pública municipal quanto ao atendimento de hormonioterapia foi respondido de forma lacônica e, diante disso, fez novo questionamento, obtendo desta vez a informação de que o referido tratamento está disponibilizado no ambulatório existente no Conjunto Hospitalar de Sorocaba e que, conforme o protocolo de atendimento, a porta de entrada para a hormonização são todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS).

“Ocorre que o Conjunto Hospitalar de Sorocaba é um hospital de gestão estadual, o município não tem gestão sobre ele, então como é que o município vai manter e gerir um ambulatório de hormonioterapia dentro do Conjunto Hospitalar?” – indagou, adiantando que a questão continuará sendo acompanhada pela promotoria. “Se a pessoa trans não tem o devido acompanhamento com um endocrinologista, ela pode acabar recorrendo a um mercado paralelo, com graves riscos para a saúde”, afirmou a promotora.

A promotora Cristiana Palma observou que sua participação na audiência pública teve como objetivo colher mais subsídios para alinhavar os próximos passos do Ministério Público na investigação sobre a questão do atendimento de hormonioterapia, que já está aberta. “Que caminho tomar? Preferem o atendimento em todas UBS? Existe condição de toda a UBS ter um endocrinologista? Porque não basta só ter um médico presente, afinal nem todo endocrinologista, nem na rede privada, é especializado em hormonioterapia”, observou, adiantando que também irá procurar saber se o atendimento no Conjunto Hospitalar é só para Sorocaba ou para os demais municípios.

Conjunto Hospitalar – Fernanda Garcia lamentou que o secretário de Saúde, Claudio Pompeo, não tenha comparecido à audiência pública para explicar como se dá esse atendimento no Conjunto Hospitalar, mas adiantou que hoje o serviço não funciona em sua integralidade porque ele não existe em forma de porta aberta nas Unidades Básicas de Saúde, mas num local específico, no caso, uma sala do Conjunto Hospitalar, por meio de uma parceria com profissionais residentes da PUC, supervisionados pelos professores da Faculdade de Medicina.

A vereadora Iara Bernardi observou que se o ambulatório de hormonioterapia for funcionar, de fato, dentro do Conjunto Hospitalar, ele irá atender não apenas Sorocaba, mas toda a região, composta por 48 cidades, e não conseguirá resolver o problema. “A rede básica de saúde já passa por uma crise tremenda, não tem remédios básicos, não tem profissionais, e há casos de hemogramas simples que estão sendo marcados para agosto. Então, temos milhares de pessoas na fila dos mais diversos atendimentos. Por isso, é preciso mobilização para pressionar a Prefeitura Municipal a oferecer esse atendimento”, afirmou Iara Bernardi.

Como encaminhamento, a vereadora Fernanda Garcia observou que a implementação integral do atendimento de hormonioterapia depende do Executivo e conclamou toda a comunidade trans a se somar ao abaixo-assinado que já existe na ATS (Associação de Transgêneros de Sorocaba) cobrando do prefeito Rodrigo Manga esse atendimento no município. “É preciso participar dessa luta para que esse direito seja garantido”, disse, adiantando que o próximo passo será visitar o ambulatório instalado no Conjunto Hospitalar bem como acompanhar e colaborar com o trabalho da promotoria pública.

Por fim, foi exibido um vídeo com o depoimento de uma pessoa de São Miguel Arcanjo, que foi uma das primeiras pessoas a ingressar na Justiça em busca de seu processo transexualizador e conseguiu seu intento, realizando o procedimento. A audiência pública foi transmitida ao vivo pela TV Câmara e pelas redes sociais da Câmara Municipal de Sorocaba (YouTube e Facebook), nas quais já está disponível na integra.