Proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifícios, assim como de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso no Município de Sorocaba, e dá outras providências.

Promulgação: 03/08/2020
Tipo: Lei Ordinária
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JUSTIFICATIVA

SAJ-DCDAO-PL-EX- 02/2020

Processo nº 45.886/2019


Excelentíssimo Senhor Presidente: 

Tenho a honra de encaminhar a Vossas Excelências, a fim de ser submetido ao exame e deliberação dessa Egrégia Câmara o incluso Projeto de Lei, que proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifícios, assim como de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso no Município de Sorocaba, e dá outras providências.

Nos últimos anos têm sido recorrente campanhas promovidas por entidades e militantes de defesa dos direitos dos animais contra queima de fogos de artifício, em especial nas festividades de fim de ano, sendo de conhecimento notório que animais se afligem com o som ensurdecedor, são diversos os relatos e registros de ferimentos, ataques de pânico e desmaios. Veterinários alertam que sobretudo cães e gatos, cuja audição é bastante sensível, podem apresentar problemas neurológicos e cardíacos. Propõe-se como opção o uso de fogos silenciosos, que, ao mesmo tempo, evitaria estrondos pirotécnicos e proporcionaria a mesma beleza do espetáculo.

Nossa sociedade contemporânea demonstra clara preocupação com os animais e revela mudança de perspectiva da relação entre o homem e o meio ambiente. 

Nesta seara, diversos municípios têm editado leis que procuram restringir o uso de fogos, não só para proteção de animais domésticos e silvestres, mas também de crianças, idosos e enfermos em face do barulho elevado causado por explosões que prejudica a paz e a tranquilidade. É o caso da Lei do Município de São Paulo n. 16.897, de 23 de maio de 2018, que proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampido e de artifícios, assim como de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso. Leis dessa natureza, contam com amplo apoio da sociedade, sobretudo de entidades ligadas à defesa do animal, e já foram objeto de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pela indústria de explosivos.

Um dos principais pontos da corrente que sustenta a inconstitucionalidade se relaciona à competência legislativa sobre a matéria. Em decorrência disso, o texto constitucional traz repartição de competências entre os entes federativos, enumerando-se poderes à União (arts. 21 e 22) e aos municípios (art. 30) e poderes remanescentes ou residuais aos Estados-membros (art. 25, § 1º), e ao mesmo tempo, prevê possibilidade de delegação (art. 22, parágrafo único), competência administrativa comum (art. 23) e competência legislativa concorrente (art. 24). Nesse sentido, setores de fabricação e comércio de explosivos argumentam que leis municipais invadiriam a esfera de competência administrativa e legislativa da União, a quem competiria "autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico" (art. 21, VI) e legislar privativamente sobre "normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares" (art. 22, XXI). Também asseveram que, ao regular comércio de explosivos, os municípios invadiriam a competência legislativa concorrente de União e Estados sobre produção e consumo (art. 24, V) e não haveria interesse local que justificasse a edição de leis municipais.

Diante de tais argumentações o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, já repeliu do ordenamento jurídico leis de diversos municípios, como Guarulhos, Socorro, São Manuel, Itapetininga, Bauru e, mais recentemente, Tietê, cuja inconstitucionalidade (ADI 2223339-77.2017.8.26.0000, rel. Des. Amorim Cantuária, j. 07.03.2018) serviu de parâmetro para o deferimento do pedido de liminar e a suspensão da Lei 16.897/18, do Município de São Paulo, na ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Sindicato de Indústria de Explosivos do Estado de Minas Gerais (ADI 2114760-98.2018.8.26.0000). 

Entretanto, a decisão liminar foi reformada pelo colegiado no julgamento do agravo interno, cujo relator, Des. Celso Aguilar Cortez, fundamentou que, “ao contrário do que ponderou o sindicato autor, verifica-se que a lei mencionada visou precipuamente a impedir a utilização, queima e soltura de fogos de artifício que produzam poluição sonora (estouros, estampidos), os quais são, notadamente, os artefatos dessa natureza que mais malefícios trazem à comunidade e ao meio ambiente, incluída aqui a fauna silvestre e doméstica. Não pretendeu o legislador local proibir a soltura de fogos de artifício de efeito puramente visual nem os similares que acarretam barulho de baixa intensidade” (j. 05.09.2018). 

De fato, o que se verifica é o poder de polícia, que é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para deter as atividades individuais contrárias ou nocivas ao interesse geral. Nessa esteira, é legítimo exercício do poder de polícia pelo Município, que, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, se presta à "ordenação da vida urbana, regulamentando e policiando todas as atividades, coisas e locais que afetem a coletividade de seu território, visando propiciar segurança, higiene, saúde e bem-estar à população local". 

O que se pretende normatizar em Sorocaba é semelhante ao já instituído no Município de São Paulo, através da Lei Municipal 16.897/18, ou seja, não se pretende proibir o comércio de fogos de estampido e de artifícios, assim como de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso, isso sim poderia ser entendido como ofensa à competência concorrente da União, os Estados e do Distrito Federal de legislar sobre produção e consumo. 

O que se pretende é proibir o manuseio, a utilização, a queima e a soltura, sendo legítimo o Município fazê-lo em atendimento ao bem-estar da população local, em especial a crianças, idosos, enfermos e animais. Não há espaço também para suscitar violação da livre iniciativa, ainda que por via reflexa. O meio ambiente foi erigido a um valor de maior importância pela Constituição Federal de 1988, cuja proteção é dever de todos os entes federativos, inclusive Municípios (art. 23, VI), e constitui um dos princípios da ordem econômica (art. 170, VI). 

A competência foi estabelecida para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I) e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (art. 30, II) não é óbice intransponível para que o Município possa legislar sobre assunto arrolado como de competência da União e dos Estados. 

Isto posto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, mais uma vez, não vislumbrou inconstitucionalidade em caso semelhante. Ao julgar uma lei municipal de Serra Negra que proíbe a soltura e manuseio de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos, a Corte Bandeirante entendeu que se tratava de polícia administrativa sobre gestão sonora, logo, competente o Município para legislar sobre o assunto, declarando inconstitucional apenas a proibição de venda.

Eis a ementa:

Município de Serra Negra, que dispõe sobre a proibição da soltura e manuseio de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos. Vício quanto à matéria cuidada. Inexistência. Exercício da função de polícia administrativa voltada à gestão da poluição sonora. Assunto de evidente interesse local. Princípio da razoabilidade. Inexistência de desrespeito. Proibição adequada, necessária e proporcional. Proibição plena. Possibilidade. Entendimento deste Colendo Órgão Especial. Não cabimento, todavia, da restrição de venda. Precedentes. Regulamentação. Cominação de prazo. Invalidade. Comando inaceitável. AÇÃO PROCEDENTE em parte." (TJSP, Órgão Especial, ADI 2137239-85.2018.8.26.0000, rel. Des. Beretta da Silveira, j. 05.12.2018).

O relator foi claro em seu voto, "o escudo do meio ambiente e o combate da poluição estabelecida em seu sentido lato integram a competência legislativa municipal, a exercer, dita postura, atividade de polícia administrativa, respeitados, à farta, os parâmetros trazidos pelas normas da União". Ou seja, é um dever de todos os entes federativos, incluídos os Municípios, o dever de proteger o meio ambiente, regular o uso de artefatos, impedindo que sejam dotados de mecanismos que provoquem estouros e estampidos, constitui medida que não foge da razoabilidade. 

Dessa forma, a proibição pelo Município de manuseio, utilização, queima e soltura de fogos de estampido e de artifícios de efeito sonoro encontra-se no regular exercício do seu poder de polícia, visando ao bem-estar de sua população local. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 18ª ed./atual. por Giovani da Silva Corralo, São Paulo: Malheiros, 2017.

Diante do exposto, estando dessa forma justificada a presente proposição, aguardo sua transformação em Lei, solicitando ainda que sua apreciação se dê em REGIME DE URGÊNCIA, na forma disposta na Lei Orgânica do Município.